- Pela Redação
- 29/05/2023
Redação
A audiência pública realizada em Cuiabá pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com o intuito de debater a concessão do trecho ferroviário entre Água Boa (MT) e Mara Rosa (GO), marca um momento importante de discussão, mas também levanta questões sobre a falta de um debate mais profundo e abrangente com as comunidades diretamente impactadas. O projeto, com uma extensão de 383 km, é parte de um investimento estratégico no setor de transportes, mas há preocupações sobre a maneira como está sendo conduzido, sem dar a devida atenção às populações locais, que terão suas vidas alteradas com a chegada da ferrovia.
O processo de construção do trecho ferroviário entre Água Boa e Mara Rosa está atrelado a um acordo de investimento cruzado, em que a Vale se comprometeu a construir a ferrovia em troca da prorrogação de concessões de outras linhas de trem que explora no Pará, Maranhão e Minas Gerais. Embora o cronograma da obra esteja atrasado, a expectativa era que o apito do trem fosse ouvido em Água Boa até 2027. No entanto, o projeto ainda enfrenta dificuldades de execução e algumas partes permanecem no papel, como os trechos que conectariam Água Boa a Lucas do Rio Verde e Vilhena (RO).
Como vice-presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, minha preocupação é que o processo de concessão da ferrovia seja conduzido de maneira parcial, sem levar em consideração a totalidade do projeto. O debate realizado na capital mato-grossense, que fecha o ciclo de audiências públicas, deveria ser apenas o começo de um diálogo mais profundo, que envolvesse as comunidades diretamente afetadas por essa grande obra, incluindo Cocalinho e Água Boa. A transparência e o engajamento com as populações locais são fundamentais, não só para garantir o sucesso da obra, mas também para assegurar que os impactos sejam minimizados e as necessidades da população sejam atendidas.
O projeto da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) visa a integração do estado de Mato Grosso com outras regiões do país, especialmente para o escoamento de commodities agrícolas. No entanto, além do transporte de cargas, é essencial discutir o transporte de passageiros, uma modalidade que, mesmo vista por alguns como ultrapassada, tem ganhado força. Recentemente, a Vale iniciou a operação de um moderno trem de passageiros na linha Vitória a Minas, oferecendo conforto e atendendo à grande demanda. Isso deveria ser considerado para a Fico, já que os moradores ao longo do trajeto merecem ser ouvidos sobre a inclusão de serviços ferroviários que atendam suas necessidades de mobilidade.
A ausência de um debate completo sobre a Fico e seus impactos nas comunidades locais, especialmente no Vale do Araguaia, é um erro que não pode ser ignorado. O governo federal e a ANTT devem ouvir as comunidades ao longo do trajeto da ferrovia, e não apenas aqueles que estão distantes centenas de quilômetros dos impactos reais da obra. A inclusão de povos indígenas, como os Xavantes, também deve ser considerada, uma vez que, mesmo sem a violação de seus territórios, eles serão impactados pela chegada da ferrovia.
O projeto Fico foi planejado desde 2007 para ser incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, com o aumento da demanda habitacional em cidades como Água Boa, é essencial que o governo e as autoridades federais considerem as implicações sociais e econômicas da obra. O déficit habitacional de três mil moradias em Água Boa é um reflexo das mudanças que a ferrovia trará para a região, e a falta de uma infraestrutura de suporte pode gerar mais problemas no futuro.
Em minha opinião, é necessário que a ANTT e o governo federal conduzam um processo mais transparente e inclusivo, ouvindo verdadeiramente as vozes das comunidades afetadas. Água Boa, Cocalinho, e outras cidades ao longo do trajeto da ferrovia precisam ser ouvidas de forma mais clara e direta, para garantir que a obra seja realizada de maneira harmoniosa com as necessidades locais. A infraestrutura não pode ser um “puxadinho”, feita de maneira improvisada. A ferrovia, com sua grandeza e impacto, deve ser pensada e construída como um todo, com um planejamento que respeite as comunidades e o meio ambiente.
A audiência em Cuiabá será uma oportunidade importante para avançarmos, mas precisa ser apenas o início de um diálogo contínuo sobre a Fico e seus efeitos. A transparência sobre o projeto, como prevê a nossa Constituição, deve ser garantida, e as comunidades afetadas precisam ser ouvidas de maneira justa e efetiva.
Júlio Campos (União) é vice-presidente da Assembleia Legislativa e foi deputado federal, governador e senador da República.
0 Comentários
Faça um comentário