A luta das mães pela justiça na pensão alimentícia

ANGÉLICA MACIEL



Angélica Maciel

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ao afirmar que a genitora (mãe biológica) já arca com o encargo difícil de cuidar do infante (criança) sem a presença do genitor (pai biológico) e que isso deve ser considerado na fixação da pensão alimentícia, lança luz sobre uma questão que há muito tempo grita por justiça.

Afinal, até quando a responsabilidade pelo sustento dos filhos será colocada exclusivamente sobre os ombros das mães?

Em um sistema que, na prática, ainda tolera a negligência paterna, é comum vermos mães sobrecarregadas assumindo integralmente a criação dos filhos, sem o amparo financeiro adequado por parte dos genitores ausentes. A pensão alimentícia é um direito da criança, não um favor do pai. No entanto, muitas decisões judiciais ainda tratam a questão com excessiva complacência, reduzindo valores ou dificultando a execução das obrigações.

Esse entendimento foi reforçado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento do processo TJ-SP - AC 10024017020198260201, da 7ª Câmara de Direito Privado, relatado por Miguel Brandi. A decisão, publicada em 30/05/2023, reconhece que a responsabilidade materna vai além das despesas financeiras diretas e que o peso da criação dos filhos sem o suporte paterno deve ser considerado na fixação da pensão alimentícia.

É fundamental reconhecer que o tempo e o esforço dedicados ao cuidado de uma criança representam um custo invisível, que muitas vezes não é contabilizado nas discussões sobre pensão alimentícia. Esse custo é predominantemente, se não exclusivamente, arcado pela mãe, que frequentemente assume a maior parte das responsabilidades relacionadas ao cuidado dos filhos.

O trabalho materno não remunerado envolve supervisão, assistência em tarefas escolares, cuidados diários e apoio emocional – atividades essenciais para o desenvolvimento da criança. Contudo, esse esforço raramente é valorizado no mesmo grau que as contribuições financeiras. Ignorar esse custo invisível perpetua a desigualdade de gênero e contribui para um cenário em que as mães arcam com um fardo desproporcional.

Um passo importante na busca por justiça equitativa é a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse protocolo orienta os magistrados a considerarem as desigualdades de gênero nas decisões judiciais, especialmente em casos de pensão alimentícia. Ao aplicar essa perspectiva, a fixação de alimentos para os filhos passa a levar em conta não apenas as condições financeiras do pai, mas também a carga emocional e física suportada pela mãe, que frequentemente assume a responsabilidade integral pela criação dos filhos.

Esse olhar mais amplo é essencial para evitar decisões que perpetuem a sobrecarga feminina e garantam uma distribuição mais justa das responsabilidades parentais.

A reflexão trazida pelo TJ-SP destaca a injustiça de se ignorar o peso real da maternidade solo. Além das despesas materiais, como moradia, alimentação e educação, a mãe assume sozinha o trabalho emocional e afetivo da criação dos filhos.

A ausência do pai não é apenas um vazio sentimental, mas também um fator que impacta diretamente na qualidade de vida do menor e na saúde mental da genitora. Essa realidade gera um desequilíbrio nas obrigações financeiras, onde a mãe, apesar de arcar com o custo emocional e físico do cuidado, pode não receber uma compensação justa na forma de pensão alimentícia. Portanto, é crucial que os acordos estabelecidos entre os genitores considerem não apenas as despesas diretas, mas também o valor do tempo e do cuidado dedicados à criação dos filhos. Isso ajudaria a promover uma maior equidade nas responsabilidades parentais e a assegurar que ambas as partes contribuam de maneira justa para o bem-estar das crianças.

O Judiciário precisa evoluir para garantir que a fixação da pensão reflita a realidade vivida pelas mães. É fundamental que os magistrados levem em consideração que a responsabilidade paterna vai além de valores simbólicos e que a carga desproporcional suportada pelas mães deve ser reconhecida e compensada. A aplicação consistente do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero é um caminho essencial para essa evolução, promovendo uma justiça que enxergue as diferenças de contexto vividas por mães e pais.

Angélica Maciel é advogada especialista em Direito da Família, conselheira estadual da OAB Mato Grosso e diretora da regional Sinop do IBDFAM.

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