- Pela Redação
- 29/05/2023
Por trás de slogans como “Menos Marx, mais Mises” e “Imposto é roubo” existe mais do que provocação: há um projeto político e cultural em pleno avanço no Brasil. A obra de Camila Rocha, doutora em ciências políticas pela USP, “Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil”, oferece um recorte poderoso para entender a gênese dessa nova direita, que atualmente ocupa espaços centrais no debate sobre o modelo de Estado que a sociedade deseja.
Ao investigar redes de influenciadores digitais, “think tanks” (em tradução livre “fábrica de ideias”) liberais e jovens militantes que rejeitam o pacto social da Constituição de 1988, Rocha revela como esse movimento não nasceu com Bolsonaro, embora tenha convergido com o bolsonarismo em certos aspectos. É uma articulação que se formou desde os anos 2000, usando as redes sociais como catalisador e “think tanks” como centros de difusão ideológica — como o Instituto Mises Brasil, Instituto Liberal, Millenium e o Instituto de Formação de Líderes (IFL).
Hoje, em um país marcado pela polarização, desconfiança nas instituições e pela tentativa do atual governo de reequilibrar o papel do Estado em setores estratégicos, essas narrativas seguem influentes. Elas moldam o pensamento de muitos jovens, pautam decisões econômicas e pressionam pela manutenção de uma agenda ultraliberal, mesmo diante das urgências sociais escancaradas pela pandemia e pela desigualdade socioeconômica estrutural.
Contudo, Camila não oferece uma denúncia, mas uma cartografia precisa: a nova direita se organiza como “contra-públicos” (setores da sociedade se sentem excluídos, silenciados ou mal representados), redes que querem desmontar o legado da Constituição Cidadã e instaurar uma hegemonia cultural centrada na meritocracia, na propriedade privada e no livre mercado. Seu mérito está em reconhecer que não se trata de um fenômeno marginal, mas de uma força política com consistência teórica e articulação internacional engendradas e financiadas por entidades como a Atlas Network e o National Endowment for Democracy (NED) na incrementação do ultraliberalismo e na aniquilação das políticas de inclusão social.
Em um Brasil onde o debate público corre o risco de ser capturado por simplificações ideológicas e memes políticos, entender essas engrenagens se torna essencial. Afinal, como Rocha sugere, a disputa não é apenas pela manutenção ou supressão de políticas sociais; mas pelo imaginário coletivo e pelo futuro da democracia brasileira: “Estudantes, empresários e simpatizantes do liberalismo se aliaram a religiosos, militares e políticos tradicionais em torno de uma estratégia que desorientou os adversários.” (Camila Rocha).
Sérgio Cintra é professor de Linguagens e está servidor do TCE-MT.
sergiocintraprof@gmail.com
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