Discurso político e o uso ético das tecnologias de informação e comunicação

SOLANGE MARIA BARROS



Solange Maria Barros

No dia 12 de fevereiro, um vídeo viralizou nas redes sociais. As imagens mostraram o filho do bilionário, Elon Musk, um garotinho de 04 anos, XÆ A-Xii, ao lado do Presidente Trump, no Salão Oval da Casa Branca. É possível ver a criança dizendo ao Presidente:  “I want you to shut your mouthyou aren’t the President, you need to go away” (“Cale a sua boca, você não é o Presidente, você precisa ir embora”). A indagação do pequeno A-Xii levou-me a questionar – de forma jocosa, claro!  Por que ele dissera aquilo? O que o motivou? Como estou trabalhando com análise de discurso político, achei oportuno escrever este texto. Sabemos que a política é parte da natureza humana. Aristóteles já assinalava que o “homem é um animal político” porque vive em comunidade. 

Na visão de Chilton, existem duas grandes vertentes para a compreensão acerca da política. De um lado, é entendida como uma luta pelo poder, entre pessoas que desejam manter-se no poder. De outro, a política é vista como cooperação, ou seja, como práticas sociais visando resolver conflitos de interesses e poder econômico.  Fazer política é, sem sombras de dúvidas, saber jogar com a linguagem, com o discurso, sob viés ideológico. Tudo que é ideológico, segundo Bakhtin, é prenhe de significado. Pardo Abril assegura que a linguagem é um sistema simbólico, tendo em vista que os seus modos de significação são sempre amplificados. É o caso, por exemplo, do discurso multimodal, visto como uma nova forma de compreender a realidade social.

A abordagem analítica de discurso político tem recebido atenção de estudiosos nacionais e internacionais. As pesquisas nessa área têm como objetivo revelar princípios ideológicos, materializados nos textos orais e escritos. O discurso enquanto ideologia é compreendida, conforme Van Dijk, Fiske e Taylor, Ratner, como uma forma de cognição social. Van Dijk assevera que a ideologia é compreendida como uma estrutura cognitiva complexa que detém o controle na formação, transformação e aplicação de outros tipos de cognição social, incluindo conhecimento, opiniões, posturas, representações sociais como preconceitos sociais etc. Trata-se, então, de uma estrutura que traz em seu bojo, valores, crenças, identidades, para favorecer interesses de grupos específicos ou instituições. A cognição política, a luz de Van Dijk, seria a interface entre as dimensões pessoal e coletiva da política e do discurso político, ou seja, envolve tanto a cognição pessoal quanto coletiva, incluindo as crenças pessoais dos atores políticos.

Ao analisar um texto (oral ou escrito), por exemplo, é preciso considerar as relações de poder existentes, isto é, se elas estão sendo reproduzidas, reestruturadas no discurso ou se elas estão sendo desafiadas, isto é, se elas contrariam as ordens de discurso existentes. As práticas discursivas, a produção, a distribuição e o consumo de textos são tidos como aspecto da luta hegemônica, contribuindo em graus variados para a reprodução ou transformação. Texto pode trazer mudança em nosso conhecimento, em nossas crenças, etc. Fairclough assegura que o texto pode iniciar guerras, bem como contribuir para mudar o mundo material, relações industriais, educação, e assim por diante.

A abordagem da análise de discurso político é uma rica ferramenta para ser trabalhada nas escolas, incluindo a análise das notícias que são propagadas diariamente em todo o mundo, desde as grandes empresas de comunicação e big techs como o Google e o Meta, até os discursos de líderes políticos. Desde as eleições 2018 e 2022, no Brasil, as empresas de tecnologias digitais têm sido insanas: conteúdos selecionados, violação de privacidade, modulação de algoritmos do instagram para direcionamento de notícias falsas. Os propagandistas de plantão trabalharam com disparos massivos de mensagens contraditórias, por meio de milhares de dados de uso frequente de redes sociais. 

Recentemente foi publicado um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revelando que 67% dos jovens brasileiros de 15 anos não conseguem diferenciar se uma notícia é fato ou opinião. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê uma educação política nas escolas como forma de desenvolver o senso crítico sobre qualquer conteúdo, seja ele informativo ou falso. A fala do garoto A-Xii gerou grande repercussão nas redes sociais – mesmo não sendo falsa, sinalizando, por parte das empresas de tecnologia de comunicação, interesse político na disseminação do conteúdo da mensagem.

Para finalizar, defendo um debate amplo nas escolas sobre as abordagens de análise linguística e produções de textos com base no uso ético das tecnologias da informação e comunicação (TDIC). É urgente que saibamos reconhecer quais e como os discursos são construídos e por qual razão. Nos dizeres de Madison, trata-se de um comprometimento ético-moral e bem-estar humano.

Solange Maria Barros é docente do Curso de Letras/Inglês da UFMT. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa Emancipatória em Linguagem/Nepel, Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem/PPGEL.

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