- Pela Redação
- 29/05/2023
Glaucia Amaral
Maio é o mês de celebrar o amor incondicional, a ternura e a força das mães. É tempo de homenagear quem nos deu a vida e, muitas vezes, nos sustentou com coragem e sacrifício. A maternidade é o primeiro grande amor que, em regra, uma pessoa recebe na vida. Exaltar a figura materna é um gesto essencial — não apenas pelo valor simbólico, mas pelo papel insubstituível que a mãe ocupa na formação emocional e afetiva de qualquer ser humano.
Mas, para além das homenagens, o mês de maio também nos convida a refletir com seriedade sobre as condições concretas que cercam a maternidade no Brasil. Especialmente sobre um tema muitas vezes negligenciado: as creches.
Desde a Revolução Industrial, iniciada em 1760, as mulheres estão no mercado de trabalho. Foram incorporadas à produção em escala industrial há mais de dois séculos. Mas, mesmo depois de tanto tempo, permanecem — especialmente no Brasil — com a incumbência quase exclusiva das tarefas domésticas. Trabalham fora, mas continuam sendo as principais responsáveis pela casa, pelos filhos, pelos cuidados diários. O ingresso no mercado não veio acompanhado de uma redistribuição justa das responsabilidades familiares.
A inexistência de divisão efetiva de tarefas — ou seja, a ausência de pais verdadeiramente corresponsáveis pelo cuidado com os filhos — cria para a mulher uma situação impossível. Em milhares de famílias onde não há alternativa senão ambos os cônjuges trabalharem fora, ou nos muitos lares monoparentais liderados por mulheres, falta alguém que cuide dessas crianças. Sem rede de apoio, sem política pública eficaz, a equação não fecha. E quem paga o preço mais alto são sempre elas: as mães.
Hoje, 49,1% das unidades domésticas no Brasil têm mulheres como responsáveis, segundo dados do Censo Demográfico 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São mães solo, muitas vezes sem nenhum suporte, que precisam trabalhar para sustentar seus filhos. Apesar de todo o esforço, elas ainda enfrentam uma desigualdade salarial persistente: ganham, em média, 20,8% a menos que os homens — conforme aponta a PNAD Contínua, também do IBGE. Parte dessa disparidade se deve ao fato de que muitas não conseguem cumprir jornadas integrais ou aceitar promoções, justamente por acumularem responsabilidades em casa.
Em Cuiabá, a realidade é dura. A rede pública municipal oferece 86 creches e, para o ano de 2025, disponibilizou 4.674 vagas para crianças de até 3 anos e 11 meses. No entanto, há uma demanda reprimida significativa: em 2023, mais de 3.700 crianças estavam na fila por uma vaga. Isso significa que as mães dessas crianças têm maiores dificuldades de conseguir um emprego regular em período integral, têm maior dificuldade de estudar, buscando uma melhor formação para melhores salários, pois enfrentam o dilema de onde deixar seus filhos quando se ausentam de casa.
Não foi a vontade de liberdade feminina que trouxe a mulher para o mercado de trabalho. Foi a modificação do sistema econômico — do feudalismo para o capitalismo — que trouxe homens e mulheres para a produção em escala industrial e para o direito à educação integral. É isso que o sistema econômico moderno precisa. Portanto, o reconhecimento de direitos iguais entre homens e mulheres, inclusive a liberdade de poder trabalhar, é uma consequência lógica que surgiu muito depois. A consciência de que todos são iguais perante a lei, como assegura nossa Constituição, é um passo civilizatório recente.
No entanto, dadas as condições sociais fortemente calcadas em preconceitos de gênero que ainda pesam sobre a maternidade — e também sobre a paternidade, ausente ou desresponsabilizada —, a mulher encontra enorme dificuldade para exercer até mesmo direitos sociais elementares, como o trabalho. Direito esse que, para muitas, é necessário para colocar comida na boca de seus filhos. E poucas coisas dilaceram mais o coração de uma mãe do que ver a fome de um filho não ser atendida — dor que nenhuma homenagem singela de Dia das Mães é capaz de reparar.
É importante lembrar: creche não é favor. É direito. A Constituição Federal, no artigo 208, inciso IV, determina que é dever do Estado garantir educação infantil em creche e pré-escola às crianças de até cinco anos de idade. Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 389, prevê que empresas com pelo menos 30 funcionárias devem dispor de local adequado para a guarda dos filhos em fase de amamentação. No entanto, essas normas muitas vezes são ignoradas, e as mães seguem sozinhas em suas batalhas cotidianas.
O mês das mães é o momento ideal de olhar para o modelo de assistência infantil oferecido pelo poder público. Precisamos de creches que funcionem em tempo integral, com atendimento 24 horas. Muitas mulheres trabalham em turnos noturnos ou jornadas irregulares, sobretudo nas áreas de saúde, segurança, limpeza, comércio e hotelaria. Sem creches com horários compatíveis com a realidade da vida, essas mães padecem.
O efeito social e econômico das creches em tempo integral não atinge somente a possibilidade que é foco deste artigo — dar condições às mães de família de ganharem o seu sustento. Também traz segurança física, emocional e alimentar às crianças. Funciona como instrumento de combate ao abuso infantil, pois a criança deixa de estar precariamente vigiada em casa — muitas vezes por um adolescente, um irmão mais velho, ou por outras mulheres contratadas informalmente como babás, em condições de subemprego e subremuneração.
E ainda são um contributo para o comércio local, a indústria e toda a economia de uma cidade, pois passa a existir mais pessoas qualificadas para funções de emprego de tempo integral, evitam faltas ao trabalho, reduzem pedidos de demissão para retorno ao lar. Creches produzem impacto econômico positivo direto. Investir em creches não é medida assistencialista — é política pública estruturante. É desenvolvimento. É economia. É proteção social.
Neste mês de maio, não basta dar flores. É preciso dar suporte. É preciso dar condições. Porque amar as mães é, acima de tudo, garantir que elas tenham as ferramentas para amar e cuidar de seus filhos com tranquilidade. Uma mãe com o coração em paz — porque sabe que seu filho está seguro, nutrido e amparado — é uma mulher que pode transformar sua história, sua família e o mundo.
Glaucia Amaral é procuradora do Estado de Mato Grosso.
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