- Pela Redação
- 29/05/2023
Angelo Silva de Oliveira
No Brasil, programas sociais como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Pé de Meia são frequentemente alvo de críticas que os acusam, de forma simplista, de desestimular o trabalho e perpetuar a dependência. Essa visão, rasa e descontextualizada, ignora as complexas dinâmicas sociais e históricas que moldam a intrincada realidade brasileira.
O Bolsa Família, instituído pela Lei nº 10.836/2004 e atualmente vigente nos termos da Lei n⁰ 14.601/2023, nasceu com o nobre propósito de combater a fome e a pobreza extrema, transferindo renda diretamente às famílias em situação de vulnerabilidade, atrelando essa assistência a importantes condicionalidades nas áreas de saúde e educação, como a frequência escolar dos filhos e a manutenção da vacinação em dia. O BPC, amparado pela Lei nº 8.742/1993, garante um salário mínimo mensal a idosos e pessoas com deficiência que comprovam não possuir meios de prover sua própria subsistência. Mais recentemente, o promissor programa Pé de Meia, instituído pela Lei nº 14.818/2024, surge como um valioso incentivo financeiro-educacional, visando assegurar a permanência e a conclusão dos estudos por estudantes de baixa renda matriculados no ensino médio público.
A crítica de que esses programas fomentariam a acomodação levanta uma questão fundamental: será que alguém, em sã consciência, almeja viver em condições de miséria? Reduzir a complexidade da escolha individual à mera preguiça é desconsiderar os profundos obstáculos estruturais que historicamente impedem a ascensão social de grande parte da população brasileira. A escassez de oportunidades de emprego com salários dignos, a precariedade da qualificação profissional e a persistente herança de um passado escravocrata são fatores cruciais que inexoravelmente contribuem para a vulnerabilidade social.
É corriqueiro ouvirmos relatos sobre a dificuldade em encontrar trabalhadores para serviços domésticos, rurais ou braçais. Contudo, a questão central que se impõe é: o problema reside nos programas sociais ou nas condições de trabalho oferecidas? A resistência a submeter-se a salários irrisórios, jornadas exaustivas e a gritante ausência de direitos trabalhistas não configura preguiça, mas sim uma legítima busca por dignidade e respeito. A mentalidade escravista, lamentavelmente ainda presente em alguns setores da sociedade, busca a exploração da mão de obra, negligenciando a importância fundamental de uma remuneração justa e de um ambiente de trabalho seguro e saudável.
O BPC, em particular, representa um marco civilizatório na proteção da população idosa e das pessoas com deficiência. Antes de sua implementação, muitos idosos eram cruelmente forçados a trabalhar em condições degradantes para garantir a própria sobrevivência, configurando situações análogas à escravidão contemporânea. O programa, portanto, funciona como um essencial mecanismo de proteção social, assegurando um mínimo de dignidade a essa parcela tão vulnerável da população. É perfeitamente compreensível que, ao terem acesso a esse benefício, idosos que vivenciaram a exploração no passado resistam a retornar a essas condições desumanas. Nesse sentido, ousamos interpretar o BPC como uma verdadeira "Lei Áurea" para os idosos que foram libertados do jugo do trabalho análogo à escravidão.
O Bolsa Família e o Pé de Meia, por sua vez, desempenham um papel crucial ao retirar da extrema vulnerabilidade famílias e jovens que, de outra forma, estariam inexoravelmente sujeitos a aceitar qualquer tipo de trabalho para sobreviver, por mais exploratório que fosse. Esses programas, portanto, longe de desincentivarem o trabalho digno, atuam como um freio à exploração, pavimentando o caminho para que o trabalho decente se torne uma realidade tangível para todos.
Diante desse complexo cenário, a pergunta que clama por uma resposta urgente é: qual a solução eficaz para garantir a inclusão social e o desenvolvimento econômico sustentável, sem perpetuar a exploração que ecoa os horrores da escravidão? A resposta, certamente multifacetada, passa inegavelmente pela valorização intrínseca do trabalho. É fundamental reconhecermos que o problema central não reside nos programas sociais em si, mas sim no alarmante baixo valor do salário mínimo praticado no Brasil.
Para ilustrar essa gritante disparidade, podemos comparar o salário mínimo brasileiro com o de outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, o salário mínimo federal é de US$ 7,25 por hora, o que resulta em uma remuneração mensal de aproximadamente US$ 1.160, considerando uma jornada de 40 horas semanais. Convertendo esses valores para a nossa moeda, teríamos um salário mínimo de cerca de R$ 5.800. Em contraste chocante, o salário mínimo brasileiro em 2025 é de apenas R$ 1.518, o que equivale a aproximadamente US$ 300, considerando a cotação atual do dólar. Essa enorme discrepância salarial suscita um questionamento inevitável: será que um trabalhador brasileiro, ao receber uma remuneração digna e justa pelo seu esforço, não se sentiria naturalmente motivado a buscar um emprego formal, abandonando a dependência dos programas sociais? A resposta parece óbvia: um salário justo proporcionaria melhores condições de vida, estimulando o consumo, impulsionando a produção e, consequentemente, alavancando o crescimento econômico de toda a nação.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) corrobora essa premente necessidade de valorização do trabalho. Segundo o DIEESE, o salário mínimo necessário para suprir as necessidades básicas de uma família de quatro pessoas em abril de 2025 é de R$ 7.638,62, enquanto o salário mínimo vigente é de apenas R$ 1.518. Essa gritante diferença evidencia a absoluta insuficiência do piso salarial atual para garantir uma vida digna aos trabalhadores brasileiros.
A objeção ao aumento do salário mínimo invariavelmente se baseia no questionamento sobre quem arcaria com esse custo. A resposta, em sua essência, reside no fato de que o custo do trabalho é, em última instância, diluído em toda a sociedade. O empresário, ao contratar um funcionário, incorpora os custos trabalhistas ao preço de seus produtos ou serviços, que são, por fim, repassados ao consumidor final. No entanto, é inegável que um aumento abrupto e descontrolado do salário mínimo pode gerar inflação e prejudicar a competitividade das empresas, especialmente as de menor porte.
A solução para esse complexo dilema exige um esforço conjunto de toda a sociedade e, principalmente, do Estado. Uma proposta viável e inovadora seria o investimento robusto no "trabalho com CLT" como o principal programa social do Brasil. O Estado poderia inteligentemente subsidiar parte do salário dos trabalhadores, garantindo uma remuneração equivalente a um valor digno (como US$ 1.000 mensais), sem onerar excessivamente os empregadores e, crucialmente, sem gerar inflação descontrolada. Esse subsídio representaria uma inteligente troca de investimento social: em vez de destinar recursos crescentes a programas assistenciais de caráter paliativo, o governo investiria diretamente na valorização do trabalho, gerando um virtuoso ciclo de consumo, produção e, consequentemente, de criação de novos e melhores empregos.
A ideia central é que o Estado atuaria como um catalisador, complementando a remuneração dos trabalhadores e elevando o salário mínimo a um patamar mais justo e digno, sem impor um fardo insustentável aos empregadores. Essa medida representaria um investimento estratégico no capital humano do país, com o potencial de desencadear um ciclo virtuoso de crescimento econômico e inclusão social de longo prazo.
Como esse subsídio do Estado poderia funcionar na prática (Bolsa Trabalhador CLT)
* Salário mínimo de referência: O primeiro passo crucial seria definir um salário mínimo de referência, embasado em rigorosos estudos técnicos que considerem o custo de vida real, as necessidades básicas dos trabalhadores e a comparação com padrões internacionais de países com economias similares ou mais desenvolvidas.
* Cálculo inteligente do subsídio: A diferença entre o salário mínimo atualmente vigente e esse novo salário de referência constituiria o valor do subsídio. Esse valor poderia variar estrategicamente de acordo com a faixa salarial e o setor de atividade econômica, direcionando o apoio para onde ele é mais necessário e evitando distorções no mercado.
* Mecanismos flexíveis de pagamento: O subsídio poderia ser pago diretamente ao trabalhador, como um complemento salarial visível em seu contracheque, fortalecendo seu poder de compra imediato. Alternativamente, poderia ser direcionado ao empregador por meio de incentivos fiscais ou créditos tributários, aliviando seus custos com a folha de pagamento e incentivando a contratação formal.
* Implementação estratégica e gradual: A medida poderia ser implementada de forma progressiva, começando por setores específicos com maior necessidade ou por faixas salariais mais baixas, permitindo uma adaptação mais suave da economia e minimizando os impactos fiscais iniciais. Um cronograma bem definido e transparente seria essencial para o sucesso da iniciativa.
* Condicionalidades inteligentes e a avaliação contínua: O programa poderia ser condicionado ao cumprimento de requisitos por parte dos empregadores, como a manutenção dos níveis de emprego e o investimento em qualificação profissional de seus funcionários. Uma avaliação periódica e rigorosa dos resultados e impactos do programa seria fundamental para realizar ajustes e garantir sua eficácia a longo prazo.
Os benefícios tangíveis do subsídio (Bolsa Trabalhador CLT):
* Fortalecimento do poder de compra e estímulo ao consumo: Um salário mais alto injetaria recursos na economia, impulsionando o consumo e, consequentemente, aquecendo a atividade econômica e gerando um ciclo virtuoso de criação de mais empregos.
* Redução significativa da desigualdade social: A medida contribuiria diretamente para diminuir a alarmante distância entre ricos e pobres, construindo uma sociedade mais justa, equitativa e coesa.
* Incentivo à formalização do trabalho: A valorização do trabalho formal aumentaria a arrecadação de impostos para o Estado e fortaleceria a rede de proteção social dos trabalhadores, garantindo-lhes direitos e segurança.
* Diminuição da dependência de programas sociais: Com salários mais dignos, muitos trabalhadores poderiam gradualmente sair da dependência de programas assistenciais, gerando uma significativa economia de recursos para o Estado, que poderiam ser reinvestidos em outras áreas prioritárias.
* Aumento da arrecadação e sustentabilidade fiscal: O crescimento econômico impulsionado pelo aumento do consumo e a formalização do trabalho levariam a um aumento da arrecadação de impostos, compensando os custos iniciais do subsídio e contribuindo para a sustentabilidade fiscal a longo prazo.
* Mais pessoas terão acesso a crédito com juros mais baixos, com o Consignado CLT, o que ajudaria a reduzir os custos das famílias e aquecer a economia, gerando mais oportunidades e arrecadação.
* Promoção da estabilidade econômica: Uma implementação gradual e um monitoramento constante do programa ajudariam a controlar a inflação e a manter a competitividade das empresas no mercado global.
* Melhora da qualidade de vida e aumento da produtividade: Trabalhadores mais bem pagos e satisfeitos tendem a ser mais produtivos e engajados, beneficiando diretamente as empresas e impulsionando a eficiência da economia como um todo.
Além disso, a valorização do trabalho formal teria um impacto profundamente positivo na poupança interna do país, por meio do aumento dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Os trabalhadores são, em sua essência, valiosos investidores do Brasil, e sua valorização contribui diretamente para um desenvolvimento econômico mais robusto e sustentável. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego evidenciam a importância do FGTS como um motor econômico crucial. Em 2024, o país contava com mais de 47 milhões de vínculos empregatícios regidos pela CLT, com salário médio de admissão de R$ 2.177,96. Os depósitos mensais no FGTS somam bilhões de reais, representando um investimento anual significativo na economia brasileira. Em 2024, por exemplo, os trabalhadores celetistas investiram, de forma compulsória, cerca de R$ 8,17 bilhões por mês, totalizando aproximadamente R$ 99 bilhões ao longo do ano.
Em conclusão, os programas sociais desempenham um papel inegavelmente fundamental na proteção das parcelas mais vulneráveis da nossa sociedade, atuando como um escudo contra a miséria extrema. No entanto, eles não podem e não devem ser vistos como entraves ao desenvolvimento econômico. A verdadeira solução para o persistente problema da desigualdade e da exclusão social passa, inequivocamente, pela valorização do trabalho, com a garantia de salários dignos que permitam uma vida plena e de condições justas que respeitem a dignidade humana, aliada a um investimento estratégico em políticas públicas que promovam a inclusão produtiva e o desenvolvimento sustentável de toda a nação.
Referências
BRASIL. Secretaria de Comunicação Social. Caged: emprego com carteira assinada teve crescimento de 16,5% em 2024. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2025/janeiro/caged-emprego-com-carteira-assinada-teve-crescimento-de-16-5-em-2024. Acesso em: 24 maio 2025.
CNN BRASIL. Kamala Harris chama salário mínimo federal dos EUA de "salário de pobreza". Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/kamala-harris-chama-salario-minimo-federal-dos-eua-de-salario-de-pobreza/. Acesso em: 24 maio 2025.
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. Pesquisa nacional da cesta básica de alimentos: salário mínimo nominal e necessário. Disponível em: https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html. Acesso em: 24 maio 2025.
Angelo Silva de Oliveira é controlador interno licenciado da Prefeitura de Rondonópolis/MT, presidente de honra da Associação dos Auditores e Controladores Internos dos Municípios de Mato Grosso (AUDICOM-MT), mestre em Administração Pública (UFMS), especialista em Gestão Pública Municipal (UNEMAT) e em Organização Socioeconômica (UFMT), graduado em Administração (UFMT) e auditor interno.
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