- Pela Redação
- 29/05/2023
Marco Rockenbach
Com frequência, o termo jurisdicionado é encontrado em matérias midiáticas e discursos ligados à atuação dos Tribunais de Contas em relação aos gestores e órgãos que estão sob seu controle externo. No entanto, essa utilização pode parecer inconsistente à luz do artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88, que estabelece o Poder Judiciário como o único detentor do poder jurisdicional. Essa prerrogativa é conhecida como o princípio do monopólio da jurisdição.
Apesar das objeções, a utilização da referenciada terminologia justifica-se por um avanço técnico e linguístico, adaptado às peculiaridades da jurisdição exercida pelos Tribunais de Contas. Segundo a CF/88, artigo 71, esses tribunais são órgãos autônomos e independentes que desempenham o controle externo da administração pública. Sua função é definida pela doutrina majoritária como sendo sui generis, possuindo aspectos administrativos e judiciais que mesclam julgamento técnico e responsabilização de agentes públicos.
Jurisdição, no sentido clássico, refere-se ao poder do Judiciário de resolver litígios e proferir decisões em situações conflituosas. Embora os Tribunais de Contas não possuam jurisdição judicial, sua capacidade de emitir julgamentos técnicos e fiscalizar a gestão pública confere-lhes uma “jurisdição de contas”, expressão que o Ministro Ayres Britto usou ao tratar do tema no julgamento da ADI 4.190 pelo Supremo Tribunal Federal.
Para Carvalho Filho[[1]], o uso do termo atende à necessidade de uma designação apropriada para a relação de controle entre os Tribunais de Contas e os entes fiscalizados. Em reforço a essa perspectiva, o administrativista Ulisses Jacoby[[2]], fulcrando-se nas lições de Seabra Fagundes e Pontes de Miranda, afirma que “no atual modelo constitucional positivo, ficou indelevelmente definido o exercício da função jurisdicional pelos Tribunais de Contas”. Essa designação, segundo Fernandes, reconhece a especificidade e especialização das cortes de contas.
O renomado processualista Fredie Didier Júnior, em lição acoplada à exposição de motivos do Código de Processo de Controle Externo de Mato Grosso[[3]], aponta que a natureza jurídica das funções dos Tribunais de Contas permanece numa zona de interseção entre a administrativa e a jurisdicional. A LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) optou pelo termo “função controladora” para essas atribuições, reforçando a necessidade de exercê-las de forma processual.
Portanto, o emprego do termo jurisdicionado reflete a evolução doutrinária e a complexidade do papel dos Tribunais de Contas na fiscalização da gestão pública. Essa terminologia é não apenas justificada, mas essencial para captar a relação de sujeição jurídica-processual que existe entre o tribunal e seus fiscalizados, bem como contribui para um entendimento mais preciso e abrangente sobre a terminologia no direito administrativo e financeiro, reconhecendo a função técnica e de controle dos Tribunais de Contas.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
[2] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 4. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
[3] MATO GROSSO. Exposição de Motivos do Código de Processo de Controle Externo – Lei n. 752, de 16 de dezembro de 2022. Cuiabá-MT, 2022.
Marco A. C. Rockenbach é advogado e assessor técnico da Corregedoria Geral do TCE-MT mcastilho@tce.mt.gov.br
0 Comentários
Faça um comentário