- Pela Redação
- 29/05/2023
O Globo
O Primeiro Comando da Capital (PCC) já estava perto de completar uma década quando o Brasil tomou conhecimento de sua existência. Por celular, a facção criminosa nascida no sistema prisional paulista tomou, em fevereiro de 2001, o controle de dezenas de presídios em apenas meia hora, deixando mais de cinco mil reféns. Diante da então maior rebelião da história do país, o governo de São Paulo não mais tinha como negar sua extensão e força. Para dar uma resposta pública, deu início à transferência de lideranças para unidades de outros estados. Foi um tiro no pé. Os criminosos passaram a batizar novos integrantes pelo Brasil, em troca de proteção.
Começava ali a semente da nacionalização do grupo, mas não só. Na esteira do PCC, surgiram dezenas de facções menores, até mesmo para fazer frente aos “forasteiros” de São Paulo em outros estados. Ao longo do último mês, O GLOBO mapeou as organizações criminosas presentes em todo o território nacional. O Brasil tem hoje 64 facções espalhadas pelas 27 unidades da federação, com menor ou maior tamanho e influência sobre a sociedade, segundo os dados coletados junto a fontes das secretarias de Segurança Pública, Administração Penitenciária e Ministérios Públicos de todos os estados.
Entre os grupos mencionados pelas autoridades, 12 têm presença em mais de um estado, e os outros 52 são, até onde se sabe, organizações locais. Há duas delas, contudo, com presença efetivamente nacional. O PCC está em 25 unidades da federação, enquanto os fluminenses do Comando Vermelho (CV) se encontram em 26. Os grupos só não estão, ainda, no Rio Grande do Sul. O crime gaúcho gerou suas próprias facções interestaduais: Bala na Cara (BNC) e Os Manos.
Bahia (17), Pernambuco (12) e Mato Grosso do Sul (10) são os estados que mais concentram grupos criminosos. Enquanto os dois do Nordeste têm um cenário fragmentado, com muitas facções locais disputando espaço, o território sul-mato-grossense é o maior “importador” de facções de outros estados. A rota do narcotráfico que passa pela fronteira com o Paraguai e a Bolívia estimulou nove das 12 facções interestaduais a criarem núcleos de atuação ali.
Apesar de o PCC já ter presença internacional, as autoridades brasileiras quase não encontram núcleos grandes de facções estrangeiras no país. A única exceção é no estado de Roraima, onde o grupo venezuelano Tren de Aragua possui membros. O estado que mais “exporta” facções nacionalmente é o Rio de Janeiro, que além do CV tem duas organizações com atuação interestadual: o Terceiro Comando Puro (TCP) e os Amigos dos Amigos (ADA).
É difícil dizer se o número de facções está diminuindo ou crescendo no país, sobretudo quando se trata dos grupos menores, porque não há critério oficial para diferenciar uma facção criminosa de uma gangue com atuação circunstancial.
'Faccionalização'
O PCC foi formado em 31 de agosto de 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, conhecida como Piranhão, com o discurso de combater a opressão no sistema prisional e evitar novos massacres como o do Carandiru, ocorrido um ano antes.
Foram oito os fundadores originais: entre eles, Mizael Aparecido da Silva, criador do primeiro estatuto da organização; Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, seu primeiro chefe; César Augusto Roriz da Silva, o Cesinha (famoso por mandar decapitar seus rivais); e José Márcio Felício, o Geleião, inventor da sigla PCC. Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, que mais tarde tomaria o controle do grupo, não estava na primeira composição da cúpula.
Com cerca de 40 mil membros e presente em 28 países, o PCC hoje tem faturamento estimado em US$ 1 bilhão por ano. O promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, diz que a facção já pode ser considerada uma organização mafiosa, aos moldes das italianas.
Depois de já ter atuação transnacional, hierarquia piramidal e infiltração nos poderes do Estados, o PCC deu o último passo para ganhar status de máfia quando criou uma estrutura de lavagem de dinheiro robusta, por volta de 2010.
Antes daquele ano, o grupo literalmente enterrava dinheiro, guardando-o nas chamadas casas-cofre. Hoje, a facção lava dinheiro com postos de gasolina, imóveis, agências de automóveis, fintechs, empresas de ônibus, igrejas, empresas de apostas, negócios ligados ao futebol e até ONGs.
— Já participei de algumas reuniões em conselho de grandes empresas e bancos, porque há uma preocupação com a entrada do PCC na economia formal. Executivos têm procurado analistas para fazer uma análise de risco do mercado ou da região em que ele pretende se estabelecer, porque existe um custo em função da presença do crime organizado — afirma.
Gakiya defende uma legislação apropriada para combater máfias no Brasil. Um grupo de trabalho no Ministério da Justiça e Segurança Pública está elaborando um projeto de lei que cria uma classificação especial para organizações de tipo mafioso no país. Entre os principais objetivos da Lei Antimáfia, como está sendo chamada, está o aumento de pena para lideranças de grandes facções e um tratamento mais eficiente ao dinheiro e ao patrimônio apreendido com membros desses grupos. O PL prevê também a criação de uma agência exclusiva para enfrentar esses crimes.
O caso do CV é diferente.
— Não classifico o CV como organização mafiosa, ainda, mas ele pode vir a se tornar no futuro. Assim como as milícias. Nesse sentido, precisamos de uma legislação que acolha esse novo fenômeno: uma organização diferente da que existia 30 anos atrás. É importante ter mais ferramentas, principalmente do ponto de vista de confisco, de sequestro, de cumprimento de pena para aqueles líderes — afirma.
Se é cedo para dizer que a “faccionalização“ do crime brasileiro vai evoluir para uma “mafiosificação”, a conectividade dos grupos identificada no levantamento do GLOBO mostra, contudo, que não falta quem esteja disposto a tentá-lo.
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