- Pela Redação
- 29/05/2023
Patrícia de Luna
Na antiguidade, as mulheres representadas pelas religiões apresentavam várias faces do feminino, mas, com Maria, não foi assim. Dela conhecemos só a face de pureza, perfeição e maternidade, apesar de que Maria também é a face da mulher forte, que vai até o Egito como refugiada e atravessa um exército que quer matar seu filho enquanto assiste aos seus conterrâneos terem bebês assassinados. É a mulher da periferia, que cria um filho atípico debaixo de uma ocupação violenta. É esposa e guarda os mesmos aspectos das sacerdotisas e profetisas, que conhecem o maravilhoso de Deus.
Porém, na Idade Média, essa imagem múltipla do feminino foi suprimida. Isso é representado na repressão ao culto de Maria Madalena depois que o Papa Gregório a considerou “Prostituta”. Madalena, na bíblia, é relatada como aprendiz, seguidora e alguém que sustentava a obra de Cristo. Porém, ela não tem marido e precisa ser suprimida para que apenas os aspectos de submissão, pureza e perfeição sejam valorizados. Por outro lado, o arquétipo feminino erótico acabou sendo projetado nessa figura bíblica, quando a Igreja medieval tentou reprimir a sexualidade.
Diferente da antiguidade, onde o erótico também era visto como espiritual, os líderes cristãos consideraram incompatível sexualidade e espiritualidade. Por isso, Maria, apesar de casada, seria “a virgem”. Mesmo com a concepção de Jesus sendo imaculada, ela continuou casada, então, não necessariamente continuaria virgem. A menos que sexo fosse um pecado tão horrível que ela devesse evitá-lo até no casamento.
Roma teve por séculos Afrodite como um projeto político. Quando houve a substituição da religião do Império, os templos tornaram-se Igrejas dedicadas à Maria e ao Espírito Santo, que, antes representado pelo corvo, passou a ter a pomba branca de Afrodite como símbolo. Ainda assim, o projeto político medieval de criar uma visão única da mulher e do feminino reprimiu a multiplicidade feminino na antiga religião.
Por isso, produções como o filme “Virgem Maria”, da Netflix, são tão importantes para repensar Maria na contemporaneidade. Ela é alguém mais próxima às mulheres, que podem se relacionar sem trair sua essência. Pois ela é filha, aluna, deseja José, luta... Não é apenas a pessoa de absoluta pureza, relacionada principalmente à maternidade.
Mas Maria, nesse Natal, achou um caminho até nós. Assim como no livro de Goethe, que dizem ter sido inspirado por Nossa Senhora de Montserrat, onde Fausto é salvo por Maria, e o autor escreve: “A eternamente feminina eleva-nos a si mesma”.
Que nesse Natal ela nos eleve a esse feminino mais múltiplo, que reencontra com sua natureza feminina intacta e pode mudar estruturas com amor.
Patrícia de Luna é escritora de romances baseados em história mítica, analista junguiana e autora do livro “Rio de Vênus”
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