Democracia: “Ainda estou aqui”

AUREMÁCIO CARVALHO



Auremácio Carvalho

Sem dúvida alguma, o Oscar de Melhor filme, para “Ainda Estou Aqui”, vai muito além da consagração com o Oscar histórico para o Brasil de Melhor Filme Internacional, da retomada da confiança no cinema nacional e do entusiasmo de ouvir falar o nome do país mundo afora.

Nos últimos três meses, mais de cinco milhões de pessoas assistiram ao filme. Mas é na política que estão os principais impactos do relato sobre a vida de Eunice Paiva e sua luta para o reconhecimento de responsabilidade das autoridades pelo sequestro, pela tortura e pela morte do ex-deputado Rubens Paiva.

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o debate sobre a anistia, o Ministério Público Federal (MPF) reabriu as investigações, as comissões que tratam do assunto ganharam mais força e a família Paiva, enfim, obteve a certidão de óbito retificada.

Nela, agora é possível ler que houve uma causa "não natural", mas violenta e provocada pelo Estado brasileiro. Não dá para negar esse fato terrível: o Estado Brasileiro também mata. Aliás, o MPF divulgou um vídeo em que detalha as investigações sobre os crimes cometidos durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), com destaque para o caso do ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado entre 20 e 22 de janeiro de 1971. A ação apura as circunstâncias de sua morte.

A partir da denúncia, apresentada em 2014, cinco agentes de segurança são investigados — apenas dois deles estão vivos. Só essa repercussão, já mostra o quanto foi importante o filme ao despertar a consciência política e crítica dos brasileiros, para a “Revolução de 1964”, seus horrores em mortos e desaparecidos, 342 corpos ainda não descobertos (“ Tortura Nunca Mais”), e chamar atenção, como reflexo indireto, más logico, do que seria hoje o Brasil, se a tentativa de golpe de 08/01 fosse vitoriosa. Os líderes políticos sentiram o impacto e, queriam ou não, de direita, esquerda e Estado, se pronunciaram.

Em resumo: “não dá para esconder o sol com a peneira...A democracia brasileira, pela segunda vez, bateu na trave”. Uma importante questão, a ser dirimida pelo STF sobre o alcance da Anistia de 1979,  para definir se esses crimes são protegidos pela Lei da Anistia ou serão excluídos, atos que têm caráter "permanente"- ocultação de corpos, portanto não podem ser abarcados pela lei.

Já foi aceita a repercussão geral, o que significa que a decisão valerá para todas as mais de 50 ações sobre mortos e desaparecidos. Na prática, significa que deve se aplicar a interpretação em casos que tenham associação aos já julgados.

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta em 2022, foi reinstalada, no ano passado, pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, o grupo se dedica à análise das ossadas do Cemitério Dom Bosco, chamado de Perus, em São Paulo, para identificar possíveis desaparecidos políticos.

Também há buscas de corpos no Araguaia, Rio de Janeiro e Recife. Não dá para esconder que somos um país doente, rachado em ódio político, e que somente a coragem de enfrentar essa realidade pode nos distanciar do abismo para onde, conscientemente e infelizmente, grande parte da liderança polícia insiste em levar o pais. Pacificação? Sim, é possível, mas, somente com reconhecimento de culpa por possíveis atos ilícitos cometidos, de ambos os lados, julgamento imparcial, com ampla defesa e contraditório, pois a população está cansada de manipulações e narrativas ideológicas e fake News, de todos os lados e gostos.

É a hora da verdade, preto no branco, doa a quem doer. O filme e sua repercussão deixou esse recado, em boa hora.  Não há anjos ou demônios nesse tema, toda a verdade precisa ser mostrada e as punições e reparações feitas, para todos os envolvidos.

Auremácio Carvalho é advogado.

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