Os vereadores de Cuiabá e o Brasil em 11 de novembro de 1955

Resgate da historia



DA Assessoria 

Na Sessão Ordinária da noite do dia 11 de novembro de 1955, a vereadora Maria Nazareth Hanh (Partido Social Democrático - PSD) requereu um voto de louvor ao general Henrique Teixeira Lott em virtude da sua atuação na manutenção do regime democrático no Brasil. De imediato surgiu o protesto do vereador Joaquim Lobo Duarte (União Democrática Nacional - UDN) que antecipava o seu voto contrário ao requerimento da vereadora. O que ocorreu? É o que você saberá em mais um artigo da coluna Memórias do Legislativo Cuiabano da Câmara Municipal de Cuiabá.

 

O primeiro passo é conhecer o cenário político brasileiro naquele momento. Para essa oportunidade o nosso marco inicial é a morte de Getúlio Vargas no dia 24 de agosto de 1954. O fato gerou mais instabilidade política naquele curto período democrático (1945 a 1964). Coube ao vice-presidente João Café Filho (Partido Social Progressista - PSP) assumir o comando nacional.

 

Ele havia rompido com Vargas e por isso montou um ministério majoritariamente com antigetulistas, incluindo alguns extremistas da UDN. O Ministro da Guerra escolhido foi general do Exército Henrique Teixeira Lott, pessoa desvinculada das forças políticas e reconhecido legalista. Café Filho reconhecia que o país passava por uma instabilidade política, mas ele não era a favor da interrupção do regime democrático, como defendia a ala mais extremista da UDN e dos militares, principalmente os oficiais da Marinha e Aeronáutica, e se portou como um gestor interino, aguardando o resultado das eleições do ano seguinte, e conduzindo os eleitos até a posse.

 

Os udenistas eram ligados ao nacionalismo liberal, contrários à ampliação dos direitos trabalhistas, inimigos do comunismo e defensores do alinhamento internacional aos norte-americanos, sendo assim contrários aos projetos políticos de Getúlio Vargas. Ganhavam apoio político para depor Vargas da presidência, mas este se matou e gerou uma forte comoção das massas, prejudicando os planos da UDN.

 

Logo em outubro foram realizadas eleições para a Câmara dos Deputados, sob os protestos dos udenistas, que preferiram o seu adiamento. Para aumentar o incômodo da UDN o seu quadro de deputados foi reduzido de 84 para 74 o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Vargas subiu de 51 para 56 deputados e o PSD ampliou a sua bancada com mais duas cadeiras, de 112 para 114. Dos quadros do PSD destacava-se o governador mineiro Juscelino Kubitschek, que viria a se tornar o presidente do Brasil.

 

Os atores políticos iniciaram as articulações para as eleições presidenciais de 3 de outubro de 1955. No mês de abril uma poderosa aliança foi montada entre o PSD e o PTB, com a chapa formada por Juscelino Kubitschek e João Goulart, que resgatava o getulismo e o nacionalismo. João Goulart havia ocupado o Ministério do Trabalho no governo Vargas, aproximando-se dos sindicatos de trabalhadores e até dos comunistas. No mês de junho a coligação liderada pela UDN definiu a candidatura do general Juarez Távora, então Chefe da Casa Militar. A 3 de outubro as urnas deram vitória a Juscelino que conquistou 36% dos votos, 6% a mais que o candidato da coligação da UDN. Já para vice-presidência coube a vitória a João Goulart, um herdeiro político de Vargas e apoiado pela massa trabalhadora.

 

A ala radical da UDN desejava desde antes das eleições a instauração de um regime de emergência sob o comando das Forças Armadas. Segundo ela, as políticas trabalhistas de Getúlio engabelavam a população que serviria como massa de manobra nas eleições, desvirtuando o processo democrático. Derrotados na eleição presidencial, adotaram novas teses, desta vez para impedir a posse do presidente e do vice-presidente eleitos. À frente estava o jornalista Carlos Lacerda, um ferrenho opositor a Vargas. Suas ideias empolgavam setores da UDN e parte do oficialato das Forças Armadas. De acordo com novo movimento opositor, a chapa PSD-PTB não poderia tomar posse porque não havia obtido a maioria absoluta dos votos, porque fora apoiada por comunistas e teve votos de pessoas engabeladas por políticos demagogos.

 

Esse estado de divisão política e clima de instabilidade era verificado não só na capital da República (Rio de Janeiro). Na Câmara de Cuiabá, por exemplo, havia uma clara divisão de opiniões sobre o futuro político do país. Aquela 3ª Legislatura contava com nove vereadores, sendo cinco da UDN, três do PSD e um do PSP. Na sessão do dia 19 de outubro de 1955, já passadas as eleições presidenciais, os vereadores cuiabanos se posicionaram.

 

O vereador João Alves Guerra (PSP) mostrou-se favorável à posse de Juscelino e Goulart e contrário ao movimento de Carlos Lacerda, afirmando que a população estaria até disposta a pegar em armas para a garantia da Constituição e da democracia no Brasil. Por outro lado, o vereador Agostinho Dias Dorilêo (UDN) defendeu as ações de Lacerda, afirmando de que era ele o verdadeiro defensor da democracia.

 

Nesse clima de instabilidade política faleceu o general Canrobert Pereira da Costa, então Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. No seu funeral, no dia 1º de novembro, o coronel Jurandir Mamede repetiu palavras do falecido a respeito da situação política do país, afirmando que a democracia no Brasil era uma pseudolegalidade imoral e corrompida e chamou de mentira democrática um regime presidencial que seria assumido por alguém eleito pela minoria. Esse discurso teve o apoio dos udenistas da Câmara de Cuiabá na sessão do dia 7 de novembro. Eles aprovaram o requerimento do vereador Armando Santana Modesto (UDN), o qual requeria que o discurso do coronel fosse transcrito na ata daquela sessão e que um telegrama de congratulações fosse enviado para o Clube Militar.

 

O segundo fato importante nesse enredo foi o ataque cardíaco sofrido pelo presidente Café Filho no dia 3 de novembro. Os médicos recomendaram repouso completo para a sua recuperação, levando-o a se licenciar da presidência da República. Em seu lugar assumiu, no dia 8 de novembro, o presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Carlos Luz, um dissidente do PSD, contrário desde o início à candidatura de Juscelino Kubitschek e um aliado de Carlos Lacerda.

 

O discurso do coronel Mamede incomodou de sobremaneira o general Henrique Teixeira Lott. Ela assistiu na oportunidade o cumprimento entusiástico do deputado Carlos Luz ao coronel Mamede após o discurso. Disse Lott em uma entrevista que quis dar voz de prisão ao coronel ainda no funeral, mas aguardou uma audiência com o presidente, mas como vimos, Café Filho sofreu um ataque cardíaco e se afastou da presidência, assumindo logo aquele que “aplaudiu” o discurso de Mamede.

 

O general Lott foi a uma audiência com o já presidente Carlos Luz na noite do dia 10 de novembro. Lott entendeu desde a posse do novo presidente que Mamede não seria punido. Carlos Luz alegou que não viu no discurso qualquer ato de indisciplina que justificasse uma punição. Diante dessa decisão, o general Lott entregou o cargo e o presidente anunciou a ele um novo Ministro da Guerra, pedindo Lott que o novo ministro aguardasse um dia para a transmissão oficial do cargo.

 

Tornou-se evidente que a saída de Lott estava nos planos do novo presidente e do seu grupo e a partir de então haveria um plano de dissolução do Congresso, intervenção no Judiciário e imposição de um militar na Presidência da República, como orientava o mentor Carlos Lacerda. Os militares que apoiavam a postura legalista e constitucionalista de Lott ficaram indignados com a forma como o general foi tratado por Carlos Luz e naquela noite vários generais se reuniram na casa do general Odílio Denys e sugeriram a Lott um contragolpe em defesa da Constituição. Iniciou-se o movimento que tornou-se conhecido como A Novembrada.

 

No dia seguinte (11 de novembro), general Lott comunicou-se com comandantes militares de vários estados e teve a garantia de participação deles em seu plano. Para evitar uma ação estritamente militar, o general buscou o apoio de líderes políticos. Em sessão extraordinária, a Câmara dos Deputados elegeu Nereu Ramos para a presidência da República, com votos contrários da UDN.

 

Com o controle efetivo do Exército, que contava com um efetivo maior do que a Marinha e Aeronáutica na capital, os militares ocuparam locais estratégicos e imobilizaram qualquer ação opositora. Percebendo que estava cercado, Carlos Luz embarcou no cruzador Tamandaré a caminho de Santos (SP), e em sua companhia estavam alguns articuladores, dentre eles Mamede e Carlos Lacerda. Pensaram em conseguir o apoio de Jânio Quadros, governador de São Paulo, mas este se negou a participar do movimento e o grupo se rendeu. Ficou garantida a legalidade no Brasil e no dia 31 de janeiro do ano seguinte ocorreu a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart.

 

Como dito no início do artigo, a vereadora Maria Nazareth apresentou na sessão do dia 11 de novembro um requerimento em louvor ao general Henrique Lott, que naquele dia, de acordo com a vereadora, havia garantido a manutenção da democracia no país. A sessão ocorria à noite, portanto sabia-se o que havia ocorrido na capital do país. Na discussão acerca da aprovação do requerimento, o vereador Armando Santana Modesto (UDN) afirmou que Lott teria traído a constituição brasileira.

 

Por outro lado, João Alves Guerra (PSP) louvava a atitude do general Lott. A pedido do vereador Joaquim Lobo Duarte (UDN) a votação do requerimento foi adiada, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. O presidente Gonçalo Antunes de Barros decidiu marcar duas sessões para o dia seguinte, uma às 9 horas e outra às 20 horas, mantendo a Câmara atenta ao desenrolar dos acontecimentos.

 

A discussão sobre o requerimento da vereadora retornou à pauta na sessão do dia 14 de novembro. Maria Nazareth disse que estava restabelecida a ordem no país e por isso pedia a votação do seu requerimento. Agostinho Dias Dorilêo (UDN) pôs-se contrário ao requerimento, afirmando que Lott havia manifesto desejo de implantar um regime de força no Brasil. Ainda da UDN, o vereador Armando Santana Modesto afirmou que Lott teria rasgado a Constituição, opinião essa acompanhada por Joaquim Lobo Duarte (UDN).

 

Seguiram-se, conforme o taquígrafo, acaloradas discussões entre os vereadores. João Alves Guerra (PSP), único vereador que não pertencia aos quadros da UDN e PSD, disse que votava a favor do requerimento pois as ações do general Lott garantiram a legalidade no país. O requerimento foi finalmente posto em votação e aprovado com 4 votos a favor e 3 contrários. A ausência do vereador Ruy Palma (UDN) à sessão talvez tenha prejudicado o seu partido na votação. Com o seu voto contrário, a votação estaria empatada e o presidente udenista decidiria com a sua prerrogativa de desempate.

 

Ao fim deste artigo, podemos perceber a constante presença dos militares na política nacional, a defesa inconteste da democracia, a luta dos partidos pelo poder norteados pelas suas convicções, e principalmente, a participação do parlamento cuiabano e dos vereadores na discussão dos rumos da nação, demonstrando que os cuiabanos sempre foram partícipes da política nacional.

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