"Uma Nova Mulher" - parte 1

ELISABETH BATTISTA



Elisabeth Battista

Em julho deste ano foi lançada a segunda temporada da série turca Uma Nova Mulher (Zeytin Agaci).  Quando assistimos a um filme ou uma série, não podemos perder de vista que ele é fruto de um processo de produção, para o qual vários recursos foram empregados e colaboram com o efeito integral: a imagem, a palavra, a música, os ruídos e os efeitos visuais.

A diretora Nuran Enren Sit, natural de Ancara, (capital da Turquia), traz para o centro da trama, o drama de três mulheres, cuja relação de confiança e cumplicidade é construída desde a juventude. O roteiro da trama explora temas realistas e tocantes e, desde a cena inicial, tendo em vista a atuação verossímil das personagens, somos convidados a mergulhar na vivência dos sentimentos.

Pode-se dizer quanto ao gênero, que a direção encontrou a forma adequada para a mensagem em cada episódio da série. A narrativa mergulha nas dores e os conflitos humanos com intensa delicadeza e, sem pieguices equilibra a abordagem com encaixe de momentos leves e fluidos. A série se situa na fronteira entre o drama e a comédia permeada de romantismo e, devido ao realismo da representação, o espectador vai do choro ao riso – do riso às lágrimas.

A trama tem como eixo a amizade tocante e sincera entre a médica Ada (Tuba Büyüküstün), a influencer Leyla (Seda Bakan) e a advogada Sevgi (Boncuk Yilmaz), que partilham suas dores marcantes, enfrentam os entraves à cura física, à realização amorosa, ao sucesso profissional, feridas e conflitos emocionais, de forma que muitos se identificam com os sofrimentos que atravessam o âmago das personagens centrais.

Por meio das narrativas entrelaçadas contemplamos os dramas, experimentamos, durante o acompanhamento da história, emoções que não nos pertencem, mas que sentimos com mais intensidade do que as nossas próprias. Sevgi, em luta contra o câncer, tenta ocultar suas dores trazendo às cenas, o alívio momentâneo, por meio do clima lúdico das conversas desinibidas e o efusivo colorido das suas perucas.

O enredo tem como fio condutor o olhar da personagem Ada, reconhecida cirurgiã que, nas cenas iniciais da primeira temporada mostrou-se refratária às questões espirituais, porém, ao defrontar-se com perdas pessoais dramáticas, a convite da amiga Sevgi, muda-se de Istambul, aproxima-se de Zaman, o médico terapeuta, e de pessoa cética, passa observar com interesse o campo de ação do seu trabalho de expansão da família de origem, conhecida também como Familliensten (constelação familiar), sistematizada por Bert Hellinger.  

Em seu espaço terapêutico, ao promover vivências em grupo, Zaman oferece às personagens, um local seguro para olharem para a sua dor e expandirem a própria consciência. Por meio do referido movimento, estas entram em contato com certos eventos devastadores e traumáticos ocorridos com ancestrais do seu núcleo familiar.

Neste momento, a narrativa lança mão do recurso do flashback, no qual as cenas percorrem retrospectivamente o panorama do passado e alí identificam-se as eventuais causas dos sofrimentos.

As reuniões de “expansão” são facilitadas por Zaman – o médico agricultor que, ao abrir o campo, acaba por entrar em contato com as dinâmicas ocultas e identificar lealdades inconscientes, no âmbito da família de origem.

Doravante, após a vivência reveladora, as personagens tomam consciência de que o passado ecoa no presente – o passado fala. Os segredos ocultados na família têm o poder de interferir nos destinos dos descendentes.  Ao acessar fragmentos da história do passado familiar abre-se a compreensão de que estes encontravam-se, de certa forma, emaranhados com os destinos difíceis, por um amor cego, numa lealdade invisível, repetindo inconscientemente as histórias dos ancestrais  (continua).

Elisabeth Battista é doutora em Letras pela USP.

0 Comentários

Faça um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados* *

Veja Também