Brasão de armas de Cuiabá, posição contrária/ por Suelme Fernandes

Opinião



Redação 

 

No século XVIII, a heráldica portuguesa em Lisboa tinha a finalidade de criar simbologias de poder e ícones que representassem no ultramar colonial seus domínios e posses.

Todos os povoados da colônia na América ao alcançarem o status de Vila Real tinham consignado no ato de criação a invenção de um brasão de armas oficial.

Tais brasões, como instrumentos de comunicação e possessões, sempre traziam inúmeras simbologias e intenções.

A primeira representação iconográfica dessa parte mais central da colonização portuguesa na América do Sul, sem dúvidas, foi seu Brasão de Armas que completará, 300 anos. A bandeira oficial surgiu muito tempo depois, em 1972.

O Brasão de Armas de Cuiabá, consta de maneira descritiva no auto da fundação da Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá em 1° de janeiro de 1727. É assim representado por: "um escudo, dentro com o campo verde e, nele um morro ou monte todo salpicado com folhetas e granitos de ouro; e por timbre, em cima do escudo, uma fênix".

Apesar de muito usado em veículos e na publicidade oficial, poucos conseguem interpretar essa simbologia. No afã de demonstrar sua importância e valor histórico cultural escrevo esse artigo.

No brasão de Cuiabá, ao fundo, no escudo existe um campo pintado em verde, tipo várzea, caracterizando a paisagem do Pantanal, primeiro local onde se estabeleceu o terminal colonizador português. Acima, o céu azul celeste ou ciel simboliza serenidade, proteção divina, paz e confiança.

No centro do dístico existe uma montanha ou serra dourada salpicada de granetes de ouro. 

Esse símbolo remete aos interesses mercantis de mineração por parte de Portugal e aos primeiros achados de jazidas auríferas por Pascoal Moreira Cabral em 1719 e Miguel Sutil em 1722.

Esse monte salpicado de ouro também é uma referência a um antigo mito contado pelos bandeirantes, chamado de Serra dos Martírios.

Diz a História que entre os anos de 1673 e 1682, quando da passagem do bandeirante Manoel de Campos Bicudo, fundador do Arraial de São Gonçalo, ele teria avistado na região essa serra lendária em companhia de seu filho Antônio Pires de Campos, que anos mais tarde, retornou em vão para buscar o tesouro que vira na infância, a Serra dos Martírios. Na sequência, em 1719 pelo mesmo caminho, Pascoal Moreira Cabral em 1719 fundou um povoado no Coxipó do Ouro.

Essa lenda do brasão motivou milhares de sonhos e aventureiros interessados em desbravar os sertões de Mato Grosso em busca desse Eldorado perdido e a serra que jorrava granetes de ouro.

Em 1906, o General Inglês Percy Fawcett, que inspirou o épico Indiana Jones dos cinemas varou os sertões seguindo um mapa que teria a suposta localização da tal serra. Se embrenhou na floresta e nunca mais foi encontrado. 

Portanto, a semiótica do brasão e seu imaginário, conecta-se com uma intenção de exploração do ouro e com a própria história do surgimento de Cuiabá.

Na letra do Hino de Mato Grosso, o sabido Dom Aquino Corrêa com sua licença poética e eclesiástica fez um belo hipertexto com o brasão destacando os sonhos de riqueza dos bandeirantes: “Salve terra do amor, terra d’ouro que sonhara Moreira Cabral”. E arrematou: “Teu progresso imortal como a fênix que ainda timbra seu nobre brasão”. 

Há que se considerar ainda que o brasão de Mato Grosso se espelha no de Cuiabá e no de São Paulo.

Por último, e não menos importante temos encimado do emblema a famosa representação da fênix grega.

Ave mitológica ressurgida sobre a fogueira em góles -vermelho- que representa o renascimento, imortalidade, eternidade, coragem e a capacidade de superar adversidades.  

Na mitologia grega, onde foi criada, a fênix é um pássaro que depois de queimado pelo fogo teria depois de virado cinzas, renascido. 

Como as monções para chegar em Cuiabá demoravam até 6 meses de viagem enfrentando cachoeiras, acidentes, doenças e ataques de índios, o pássaro representa a esperança na riqueza da terra prometida.

Para a heráldica portuguesa, o pássaro de fogo do dístico representa a esperança de que as descobertas de ouro de Cuiabá fossem tão relevantes para a economia portuguesa como foi as de Minas Gerais que nessa época já estava exaurida. 

 

Cuiabá seria então o renascimento do ciclo do ouro lusitano.

Noutra perspectiva, a ave grega ressignificada pelo catolicismo romano representa a própria ressureição de Jesus Cristo que foi crucificado, morto e depois subiu aos céus. 

Uma clara referência ao nome do povoado e a dedicação da Vila Real ao Bom Jesus de Cuiabá, como foi homenageado na Lapa e em Matosinhos.

A própria túnica da imagem original de Bom Jesus de Cuiabá é vermelha comunicando não por acaso com o brasão. Tal cor vermelha representa o sangue derramado por Cristo e por isso era a cor oficial dos católicos no mundo romano.

 

Como a fundação da Vila foi dia 01 de janeiro de 1727, em pleno reveillon o pássaro também representa um bom adágio ou renovação para o novo ano que se inicia. 

O Brasão Oficial de Cuiabá foi oficializado em 13 de setembro de 1961, pela Lei N.º 592 assinada pelo Prefeito Aecim Tocantins.

Em 1978 a Câmara Municipal de Cuiabá propôs a mudança do brasão, sem sucesso, e o título desse artigo é exatamente o usado na época pelo historiador Rubens de Mendonça que escreveu no jornal O Estado de Mato Grosso, afirmando que o símbolo tinha 251 anos e termina perguntando porque mudá-lo? E agora, com quase 297 anos também pergunto: porque mudá-lo?

Espero que as notícias das mudanças e alterações do Brasão de Cuiabá nos símbolos oficiais da prefeitura sejam apenas uma ideia infeliz dada inadvertidamente por algum assessor do prefeito, alguém que desconhece nossa história e sua importância.

Suelme Fernandes é mestre em História pela UFMT e membro do IHGMT.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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