- Pela Redação
- 29/05/2023
Rosana Leite Antunes de Barros
Nessa semana, mais uma vez, recebi a Maria no Núcleo de Defesa das Mulheres. Mulher de 56 anos, que passou por dois relacionamentos amorosos. É assistida da Defensoria Pública, em razão de ter sofrido violência doméstica e familiar no segundo relacionamento amoroso.
Algumas mulheres nos procuram, após tomarmos conhecimento das muitas violências que foram vítimas, para contarem de forma pormenorizada as suas vivências. O relato do primeiro relacionamento data de 19 anos atrás, antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha.
Maria confessou que essa não foi a primeira vez que passou por violência em casa. Aliás, disse que suportou as violências do segundo relacionamento, pois no primeiro foram muito piores. Em meio a muitas lágrimas, contou que veio de berço bastante carente. Na adolescência, convivia com um pai que sempre desejou a “entregar” para um homem bem mais velho que ela, e que tinha um pedaço de terra. De tanto o pai a “prometer” para o tal homem, ela vinha sendo bastante assediada e aliciada pelo proprietário de terras.
Pelo temor de ter que se casar com quem não queria, quando conheceu o primeiro marido, que por ela se interessou, entendeu que seria melhor com ele se casar. Logo no primeiro mês de casada, fritou uma batata com muito óleo, e o seu marido a jogou com força um cadeado na cabeça, que lhe causou ferimento. Procurou o pai, para informar sobre a violência que havia sofrido e ouviu dele que não poderia a receber em casa novamente, pois já era mulher. Disse ela: “Tinha os cabelos compridos. Amarrei de forma a esconder o machucado, por um bom tempo”.
Desse primeiro relacionamento, advieram três filhas. Falou que o homem era muito agressivo, de forma a nunca ter ouvido dele palavras carinhosas. As filhas, quando o pai chegava em casa, chegavam a urinar de medo. Em determinada ocasião, uma das filhas deixou a manteiga fora da geladeira. O pai, quando percebeu o que ele entendeu ser um "erro” da filha, a jogou com força contra a parede.
Segundo ela, apanhava de ficar roxa sempre. E era obrigada a manter relação sexual, muitas vezes, cheia dos hematomas. Com o tempo, conseguiu o retirar de casa, concordando que se separassem. Mas, não o proibiu de frequentar a casa que ela vivia com as filhas do casal. Ele nunca concordou com a separação. Certa vez, ela precisou ser operada. O homem, então, esteve em sua casa, e, na frente das filhas a agrediu sobremaneira com uma toalha molhada.
E, para encerrar as agressões, naquela data fatídica, a deixou despida e introduziu o seu braço nas partes íntimas dela. Aos gritos, foi socorrida pelas filhas de aproximadamente 7, 9 e 12 anos. Se lembra perfeitamente que, enquanto era espancada pelo homem, os amigos dele acompanhavam e o esperavam olhando por cima do muro. Levada ao Pronto Socorro, precisou passar por cirurgia, com a finalidade de reconstrução.
Após muito tempo de toda essa tragédia, conheceu o seu segundo companheiro. Narrou que, de início, foi muito bem tratada. Com o passar dos anos, segundo ela, apenas "apanhava de vez em quando”. Recebia migalhas de carinho, vez ou outra.
Quando conheceu a Lei Maria da Penha, percebeu que não era comum as situações vivenciadas em seus dois relacionamentos amorosos.
Não esquece das pessoas que a ampararam. Recebeu apoio de pessoas queridas, tal como da jornalista Margareth Botelho, que segundo ela, registrou em uma matéria jornalística a necessidade de ajuda para o enxoval da filha caçula, tendo recebido muitas doações.
Maria é nome fictício. E ela assim encerrou a nossa conversa: “Por tudo que passei, penso que outras mulheres podem vencer.”
Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.
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