Carnaval: 2ª noite de desfiles esquenta briga com muito luxo e ousadia em São Paulo

DISPUTA ACIRRADA



Metrópoles

A segunda noite de desfiles do Grupo Especial esquentou a disputa pelo título do Carnaval de São Paulo, ao trazer inovação, ousadia e luxo entre as participantes. Império de Casa Verde, Gaviões da Fiel e Acadêmicos do Tucuruvi se destacaram; já a atual bicampeã Mocidade Alegre enfrentou problemas em carros alegóricos.

Tanto a Império quanto a Gaviões fizeram desfiles grandiosos, com fantasias e carros alegóricos de muita beleza e cuidado com os detalhes. Já a Tucuruvi ousou ao trazer uma estética inovadora, diferente de tudo o que foi apresentado até então neste ano, ao retratar o manto sagrado tupinambá.

Na busca pelo tricampeonato, a Mocidade Alegre teve problemas em dois carros alegóricos, o que pode tomar alguns décimos em uma disputa que costuma ser bastante acirrada. Até as 5h30 deste domingo, essas escolas, mais a Águia de Ouro, retratando Benito di Paula, e a Estrela do Terceiro Milênio, com a luta da comunidade LGBTQIAPN+, tinham passado pelo Sambódromo do Anhembi. Por fim, quando já amanhecia, entrou a Vai-Vai, que traz consigo 15 títulos em sua história, a maior campeã do Carnaval paulistano.

Um fato inusitado provocou um intervalo maior que o normal entre os desfiles de Mocidade Alegre e Gaviões da Fiel, por volta das 2h. A passagem da escola do Limão deixou parte da pista bastante molhada, o que levou a organização a secar o piso para a passagem da torcida do Corinthians.

Veja como foram os desfiles que encerraram o Grupo Especial do Carnaval paulistano.

Águia de Ouro

Um samba gostoso de cantar com o famoso “Ê, meu amigo Charlie Brown” fez a escola deslizar pelo Anhembi ao abordar a obra de Benito di Paula, que esteve presente no último carro alegórico. A relação entre o cantor e a Águia de Ouro vem desde os anos 1970, quando ele morava nas proximidades da escola da Pompeia.

Desfile da Águia de Ouro, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo | Divulgação/Felipe Araújo/Liga-SP

Benito deu vida à comissão de frente, formada por bailarinos fantasiados de teclas de piano. Quando o ator que o interpretava se aproximava, elas se movimentavam, como a emitir notas musicais, por meio do instrumento que é emblemático na vida do cantor e compositor.

A origem cigana do cantor esteve presente em diversas alas e também na fantasia dos integrantes da bateria, em um colorido que deu vida ao sambódromo. Entretanto, um ponto mais evidente pode prejudicar a escola na apuração. Um pede-passagem (espécie de pequeno carro) com o brasão da escola e dois passistas acabou se deslocando excessivamente à esquerda, desalinhado; assim, a agremiação teve dificuldades para organizar outros carros ainda na concentração.

Império de Casa Verde

A Império da Casa Verde não estava disposta a “estórias da carochinha” e entrou no Anhembi desmistificando os contos de fada e explicando aquilo que não está no gibi. Como sempre, usou e abusou de carros alegóricos belíssimos e gigantescos.

Desfile da Império da Casa Verde, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo | Divulgação/Felipe Araújo/Liga-SP

Um dos grandes destaques foi a comissão de frente luxuosa e impactante. O “tigre soberano”, símbolo da escola, obrigou os “empoeirados” (personagens com roupas clássicas e responsáveis por contar tudo da maneira tradicional) a reescreverem as estórias. Personagens conhecidos foram, então, revelados da forma como realmente são, como Branca de Neve e Cinderella fora dos padrões convencionais.

A estratégia se repetiu em outras alas da escola, puxada por uma bateria formada por coringas. O Batman, aliás, é descrito como um “bilionário que faz justiça com as próprias mãos” no “universo mal contado que você nem percebeu”, uma Gotham City suja e desigual. Uso de metais fazendo referência aos temas musicais de heróis da animação foram também um detalhe interessante, que chamou a atenção durante a passagem da Império.

Mocidade Alegre

A Mocidade Alegre contou a história dos amuletos e usou a bolsa de mandinga, surgida na África, sob influência islâmica, como forma de ter sorte na sua jornada rumo a um inédito terceiro tricampeonato no Carnaval paulistano. Apesar do desfile com fantasias impecáveis e samba fácil de cantar, a “Morada do Samba” pode ter perdido pontos por problemas com seus carros.

Desfile da Mocidade Alegre, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo | Divulgação/Felipe Araújo/Liga-SP

Ao longo do desfile, um dos carros alegóricos, que ressignificou símbolos cristãos, apagou por alguns instantes durante o desfile. Já o motor da alegoria que encerrou o desfile quebrou no meio do sambódromo e exigiu uma força fora do comum por parte de empurradores e outros integrantes da escola para sair dentro do prazo de 65 minutos de desfile. A depender dos jurados, tudo isso pode custar décimos preciosos em uma disputa sempre bastante acirrada.

O desfile teve desafios e também muita beleza. Os ritmistas da “Morada do Samba” inovaram e, diante da arquibancada monumental, parte deles formou, com LED, um terço, aproximando tradição cristã e legado africano. A bateria comandada por Mestre Sombra é reconhecida por suas inovações, seja nas paradinhas ou nas coreografias. Já na comissão de frente, o destaque ficou por conta de uma incrível cúpula de mesquita, que se transformou numa saia de baiana.

Gaviões da Fiel

O primeiro enredo afro da trajetória da Gaviões foi interpretado com riqueza de detalhes, ao retratar o caminho de Orunmilá, o mensageiro que transmitia conhecimento por meio das máscaras. E as máscaras estiveram presentes em todas as alas, com fantasias luxuosas e muito ensinamento sobre história e religiosidade na busca pelo quinto título do Carnaval paulistano.

Desfile da Gaviões da Fiel, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo | Reprodução/TV Globo

A comissão de frente fez um ritual com as máscaras e o fogo. O mensageiro Orunmilá se destacou no alto de um baobá, a árvore sagrada, de onde desceu para trazer seus ensinamentos. No chão, um ator interpretou Exú com bastão em chamas nas pontas – parte de seu colar se soltou, o que pode interferir na avaliação dos jurados. A emoção tomou conta de todo o Sambódromo com a força da apresentação.

Um teclado simulando instrumentos africanos também se destacou nos aspectos musicais. O coral que se formou no Anhembi foi comandado pela voz de Ernesto Teixeira, que interpreta os sambas da Gaviões desde 1995. À frente da bateria Ritimão há 22 anos, Sabrina Sato atraiu as atenções mais uma vez, em um desfile realizado sem sobressaltos.

Acadêmicos do Tucuruvi

“Não foi feito pra você, não foi feito pra vender.” A Tucuruvi mostrou a importância do assojaba, o manto tupinambá que teve exemplares furtados pelos europeus, apresentando a história de povos originários com respeito, exuberância e inovação.

Desfile da Acadêmicos do Tucuruvi, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo | Divulgação/Felipe Araújo/Liga-SP

A escola teceu seu enredo com beleza plástica distinta de tudo que se apresentou até então, com fantasias e carros alegóricos que transmitiram leveza e referências claras à arte dos povos originários. Também promoveu conexões com o universo onírico por meio de filtros dos sonhos, em uma estética colorida, que se repetiu em alas diversas. Tudo remetia ao manto sagrado, feito de penas de guará e fibras.

A bateria usou instrumentos indígenas para aproximar ainda mais seu samba do enredo. Já a feitura do manto foi representada por uma alegoria de 6 mil penas, que se tornou realidade pelas mãos de artistas de Parintins. De forma geral, os carros alegóricos se destacaram com beleza. Um deles trouxe uma bandeira do Brasil escrito Pindorama.

Estrela do Terceiro Milênio

A Estrela do Terceiro Milênio fez um “manifesto pé na porta” contra a intolerância, ao defender o respeito à comunidade LGBTQIAPN+. A escola do Grajaú cantou forte que “pecado é a sua hipocrisia” e conseguiu transmitir a importância de defender a diversidade.

Desfile da Estrela do Terceiro Milênio, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo | Reprodução/TV Globo

Uma das alas criticou as fake news, com menções às mentiras difundidas por movimentos conservadores, a exemplo do “kit gay” e da “mamadeira de piroca”. Em um dos momentos mais emblemáticos do desfile, integrantes da escola exibiram leques e foram saudados por muitas pessoas nas arquibancadas. As cores do arco-íris estiveram presentes ao longo de toda a apresentação, com destaque para ala das baianas.

A comissão de frente veio toda sobre um primeiro carro, representando um tabuleiro. Pessoas com máscaras e roupas padronizadas, caracterizadas como hipócritas, colocaram integrantes da comunidade LGBTQIAPN+ no alvo de sua intolerância. Sobre a representação, constava a frase “ele só falou de amor”, com referência a Jesus Cristo.

Vai-Vai

A Vai-Vai fez o amanhecer no Anhembi explodir em caos e liberdade, com um pouco de tudo que compunha a vida do diretor José Celso Martinez Correia, morto em 2023, após ser vítima de um incêndio na própria casa. O vizinho de Bexiga foi convidado a voltar à vida e a assinar a folia apresentada no Sambódromo.

Desfile da Vai-Vai, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo | Reprodução/TV Globo

A comissão de frente mostrou o Teatro Oficina, de onde saíram as múltiplas facetas de Zé Celso. Também surgiram bacantes, Exú, pombas-giras, numa evocação a entidades e personagens que cercavam o diretor. Entre as alas, uma delas trouxe 70 artistas do próprio Oficina, com figurinos usados em peças comandadas pelo homenageado.

Um dos destaques da apresentação da maior campeã do Carnaval paulistano foi a bateria da escola do Bexiga, que manteve o ritmo até o fim e segurou a gigantesca torcida que ainda ocupava as arquibancadas do Anhembi, quando já era manhã.

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